terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A Pemba e a Brasa

   Em uma das últimas consultas, o Preto usou a história da "Pemba e da Brasa" para uma consulente, eu vou tentar reproduzir em forma de um diálogo. Vamos ver como fica:

  Era mais um dia de sessão, no tambor, ecoavam o ponto da linha das almas dos Negros Velhos...Cipriano fumava calmamente seu cachimbo sentado no toco em um canto do terreiro. Uma consulente se aproxima,senta na frente do nego e aproximando-se do preto diz:
-Pai, me ajude, estão com olho gordo pra cima de mim...
   O nego, toma um gole do seu café, traga mais uma vez seu cachimbo, olho nos olhos da nega e diz:
-Desculpa filha, não entendi, o que a senhora tem?
-Olho gordo paizinho, estão colocando olho gordo em mim. Eu estou grávida sabe? Então minha família, a família do meu namorado, a ex dele, sabe a Ex dele? Ela tem muita inveja de mim, ela coloca muita coisa em mim , diz ela muito preocupada.
Entre um gole e outro de café, pergunta: 
-E como tu sabes isso filha? Como tu sente isso?
-Porque eu sinto Pai, e isso tá me fazendo muito mal e eu não quero mal pro meu bebê que está por vir...
   Cipriano, olha pro seu cachimbo, pra Pemba que está deitada ao chão, pra fumaça que sobe ao ar e se desfaz, pensa em como é relaxante aquele fumo, como lembra a ele dos dias da casa grande e pede pra nega, que estenda suas duas mãos espalmadas, abertas a sua frente. Ele, suavemente entrega a pemba na mão dela e pede que a segure. Fumando seu cachimbo, mostra pra nega a brasa que encontra-se dentro, a brasa que arde viva em fogo e energia. Pergunta a ela, se ele poderia fazer o mesmo com o cachimbo, se ele poderia descansar o cachimbo na mão da nega. Ela sem entender aonde o Preto queria chegar, diz que sim. Logo, a nega estava em sua mão direta com uma Pemba e em outra o cachimbo do Nego.
-Pai, como isso vai me ajudar com meu problema? - pergunta ela preocupada.
-Simples minha filha, eu lhe entreguei uma pemba e meu cachimbo, mas quero que tu lembres da brasa que arde dentro dele, e não do cachimbo em sí. Qual das tuas coisas tu acredita que representa a inveja? A pemba, que está na sua mão direita, ou o Brasa que queima dentro do Cachimbo na sua mão esquerda?
-A brasa Pai, pois ela pode me machucar e me ferir se eu tocar nela. Dentro do teu cachimbo, eu sei que ela não me faz mal, mas se eu a segurasse diretamente em mão, certamente estaria com algumas queimaduras.
-Muito bem filha, eu concordo com a senhora, mas as duas coisas que te entreguei são o "olho gordo", a inveja como a senhora diz. A brasa, representa a inveja, pois ela realmente pode te ferir e te prejudicar caso tu não esteja protegida pelo cachimbo, por um envoltório, um escudo, certo? Tu sabe nega, que mesmo sendo “perigosa” a brasa é necessária para que o fumo queime e libere o tabaco, ou seja, eu preciso dela, assim como a senhora para sua evolução – pegando da mão da nega o cachimbo, ele faz nova experiência e, agora, colocando o dedo na abertura do cachimbo, toca no carvão que havia a brasa deixado e deposita um pouco do mesmo na mão da nega. Retira a pemba e  esfarela um pouco do pó branco sobre a outra mão – olhando nos olhos da nega diz – para deus, ele crê, que a pemba é a inveja e não a brasa, sabes porque minha filha? Assopre suas mãos e me diga qual delas está suja.
  A filha assopra suas duas mãos, olha para a mão esquerda (aquela que havia carvão) e diz:
-A minha mão esquerda está suja, veja como ela está preta e tem cheiro ruim de tabaco.
-Não filha, esfregue as tuas mãos no teu rosto, percebe como a mão que havia o pó de pemba, embora a senhora não veja, há alguns resquícios desse pó. Embora, na tua mão esquerda o carvão seja visível, as duas estão sujas, assim, é a inveja, deixa esses resquícios em vocês. Mas filha, eu preciso da brasa, que resulta em carvão (depois de servir ao propósito que é fumar), assim, como eu preciso da Pemba para riscar ponto. Eu, assim como a senhora, não consigo perceber o olho gordo, como pemba. Eu a percebo como brasa, pois sei que me fere, que me prejudica mesmo sendo essencial para meu crescimento. Um dia filha, eu e a senhora, perceberemos a inveja como Pemba, sem que seu resquícios sejam percebidos e agradeceremos sua utilidade. Até esse dia, a percebemos como brasa, essencial para nossa caminhada nessa terra de Deus. Nas preces dos negos, as envolvemos em um cachimbo, permitindo que a toquemos protegido pela madeira desse ou pela nossa fé.
-Eu entendo, diz a nega um pouco mais calma , eu devo pedir ao mestre que me proteja e ensine a aceitar a brasa , que vira carvão e dá o prazer do fumo. O que eu faço com a sujeira porém?
  Pegando novamente as duas mãos da nega e um pouco de água, lava calmamente as  mãos e, após, passa um pouco de álcool cruzado (uma mistura de álcool, ervas e essências) que deixaram um suave aroma de lavanda e erva cidreira nas mãos da filha. Olha para a barriga da filha, que grávida de pouco tempo, ainda não aparentava aumento e pergunta:
-Nega, porque as mães acariciam a barriga quando estão grávidas? Porque passam suavemente as mãos ?
-Pelo primeiro contato com o bebê, diz ela.
-Certo, para sentir seu filho. Assim como uma mãe acaricia seu filho, acaricie seu corpo quando fores tomar banho, quando tiveres um perfume que te agrade, um aroma de rosas, de flores -e com um sorriso no rosto, completa dizendo - Assim, como a Mãe Iemanjá, que através de suas águas, acaricia a seus filhos, tranquiliza seus corpos, seus espíritos , toda a inveja, toda a sujeira do olho gordo se vai, e no lugar destas, ficam os aromes de flores que, amorosamente, são entregues por essa mãe. Assim são as mães, não filha? Sempre querem para seus filhos perfumes e flores...
  A moça, com lágrimas nos olhos, agradece ao preto pelas sábias palavras, abraça-o fortemente no que é retribuída nesse abraço gostoso de preto velho. O preto por fim, entrega para a filha, o que sobrou da pemba que ele esfarelará  anteriormente e diz :
-Filha, para que tu te lembres, que aos olhos de Deus, a inveja é Pemba, é pó que se desfaz ao vento e em água , mesmo que para nós, continue ardendo em brasa nos nossos corações... Agô nega!   

Saravá as Sete Linhas! Adorei as Almas! Laroyê Exú ! 
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