Vivia ela em
um antigo vilarejo no sul da França com sua família e alguns amigos. Os
casamentos eram sempre arranjados e consentidos pelas famílias quando havia
algum benefício mútuo. Para as famílias de camponeses mais pobres, esses
benefícios muitos vezes eram inexistente e as coisas aconteciam “naturalmente”,
logo, era possível se apaixonar e casar com o homem dos seus sonhos.
Engano muito
comum: ao se casarem, as mulheres continuam na mesma escravidão do trabalho das
lavouras feudais e ainda mais além , da lida doméstica. Eram obrigadas a
servirem seus maridos como criadas ou simples objetos.

Uma dessas
famílias principais era a em que eu vivia. Eu era tida pelo camponeses como uma
donzela e frente aos Reis um lixo, plebe que servia de escorria aos seus
desejos. Quando me designaram o casamento com outra família de mesmo poder, não
tive dúvidas em aceitar e fiquei inclusive muito contente. Até a época em que
me casei não tinha “amores”, logo o casamento arranjado me pareceu uma ótima
ideia.
Começa a “vida
a dois” e a surgir uma escravidão nitidamente marcada pelas ofensas domésticas
e quando não a agressão. Me tornava uma serviçal do amor de um homem que eu
jurei amar .
A cada
palavra, cada gesto, cada ação, cada toque desse amor, meu ódio e rancor
cresciam. Crescia meu orgulho e minha vontade de ser liberta, de ser guerreira.
Dentro de
nosso vilarejo, bem ao centro, existia uma pequena capela em que rezávamos e
prestávamos nossos pedidos a Deus Pai como bem éramos ensinados pelo clero.
Cada um de nós via naquele Deus, um ser severo, austero e de grande poder. Eu
via nele um guerreiro de alma simples e livre. Almejada ser essa minha
essência: de uma guerreira da liberdade, nem que para isso, eu fosse
crucificada.
Um dia após
ter sido severamente agredida me ajoelhei frente aquela capela durante uma fria
e escura noite e clamei pela força daquele deus. Eu estava com uma longa e puída
saia preta que cobria até meus pés e um véu que encobria meu rosto e minha
lágrimas de amor.

Me dirigi até
o local onde pensara ter ouvido as gargalhadas e lá encontrei uma velha senhora
que estava nua, liberta com seu corpo e sua aceitação. Ela aceitava o amor que
era. Bebia em uma espécie de cálice de ouro uma bebida viscosa que identifiquei
como sendo vinho. Em sua mão esquerda, tinha uma espécie de faca pequena e bem
pontuda cravejada em ouro e pedras.
A velha
alcançou a taça me oferecendo um gole questionando:
“Eres uma guerreira? Eres tu uma
escrava do amor? “
Eu consenti
com a cabeça, incrédula com a cena que presenciava e se aproximando ela corta
minha garganta com a faca que trazia em sua mão.
Acordo em
frente a Capela do Vilarejo no outro, dia assustada com a experiência que
tivera anteriormente.
Acordo uma
nova mulher: não mais escrava mas senhora do Amor.
Acordara
ciente de minhas responsabilidades e de minha força como mulher. Acordara
decidida a mudar minha vida e lutar pelos meus ideais e minha ações.
Morrera
naquela noite , assassinada por uma velha , que bebia vinho em uma cova aquela
moça simples porém bela .
Nascera uma
senhora forte, empoderada de força e beleza, para lutar pelo mesmo amor que
fora vitimada. Jurei que serviria o resto de minha existência a despertar nas
mulheres o mesmo que aquela velha senhora despertara em mim.
Minha vida foi
marcada pelos caminhos do mundo. Me tornara uma andarilha que ia de vilarejo em
vilarejo, pregando as mulheres que sofriam com seus maridos a libertação. Para
isso, me infiltrava em meio a população e permanecia o tempo que julgasse
necessário para conseguir atingir as mulheres que tinham o mesmo potencial.
Aprendi a oferecer da mesma taça que me fora dada anteriormente.
Me tornara uma
guerreira, aprendi a me defender daqueles mesmos homens que me atacavam
anteriormente, assim, jurei que em momento algum, outro homem colocaria suas
mãos em mim. Por anos, pregando meus ideais nos vilarejos, consegui que algumas
mulheres me seguissem. Éramos conhecidas como as Damas da Noite pois sempre
saíamos ou chegávamos nos vilarejos, cobertas pela lua. Andávamos sempre com
saias e véus.
Em um vilarejo
que adentramos próxima a antiga cidade de Roma, fomos acusadas de bruxaria,
perseguidas, torturadas pelo clero e condenadas a fogueira da Inquisição.
Condenadas a sermos queimadas por Deus.
Quando em
praça pública estavam fincados os troncos que queimariam a mim e as Sete
mulheres que me acompanhavam dispostos em um círculo, se encontrava bem ao
centro, aquela mesmo velha senhora de meus sonhos. Tinha em suas mãos, o mesmo
cálice que me servira anteriormente e na outra, uma cruz de ouro.
As pessoas ali
reunidas pareciam não verem aquela senhora de figura estranha e enquanto estávamos
amaradas e o fogo pronto a ser ateado aos nossos corpos, ela sussurra em cada
um de nossos ouvidos, servindo o mesmo gole de seu vinho. Só não servira mais a
mim, pois afirmara que quem já tivesse tomado de seu vinho, viveria eternamente:
“Não temam minhas pequenas, eu
sou o caminho e a vida”
Nossos corpos
queimavam e ardiam em brasa viva. Dor não sentíamos e libertas da carne, dançávamos
em meio as chamas. Aquela velha senhora
não parava de gargalhar e dançar faceira.

Venho, com
minhas sete companheiras. Viemos, gargalhando e trazendo a energia do fogo que destruiu
nossos corpos e libertou nossa alma.
“Foi condenada pela Lei da Inquisição
A ser queimada viva, Sexta Feira da Paixão
O Padre rezava, o Povo acompanhava
Quanto mais o fogo ardia
Mais ela dava gargalhada “
Maria Quitéria das Almas
03 de Junho de 2016
Laroyê Exú! Saráva as Sete Linhas de Umbanda! Adorei aos
Pretos Velhos!