sexta-feira, 3 de junho de 2016

Uma história de amor por uma antiga amante da vida

Vivia ela em um antigo vilarejo no sul da França com sua família e alguns amigos. Os casamentos eram sempre arranjados e consentidos pelas famílias quando havia algum benefício mútuo. Para as famílias de camponeses mais pobres, esses benefícios muitos vezes eram inexistente e as coisas aconteciam “naturalmente”, logo, era possível se apaixonar e casar com o homem dos seus sonhos.
Engano muito comum: ao se casarem, as mulheres continuam na mesma escravidão do trabalho das lavouras feudais e ainda mais além , da lida doméstica. Eram obrigadas a servirem seus maridos como criadas ou simples objetos.
Nesse vilarejo em que vivia, algumas famílias eram mais conhecidas e possuíam algumas condições de vida melhores. Assim, se formava uma outra cadeia hierárquica dentro daquele feudo ou vilarejo. Haviam as ordens do rei e do clero, e as ordens daquelas família mais abastadas dentro do vilarejo.
Uma dessas famílias principais era a em que eu vivia. Eu era tida pelo camponeses como uma donzela e frente aos Reis um lixo, plebe que servia de escorria aos seus desejos. Quando me designaram o casamento com outra família de mesmo poder, não tive dúvidas em aceitar e fiquei inclusive muito contente. Até a época em que me casei não tinha “amores”, logo o casamento arranjado me pareceu uma ótima ideia.
Começa a “vida a dois” e a surgir uma escravidão nitidamente marcada pelas ofensas domésticas e quando não a agressão. Me tornava uma serviçal do amor de um homem que eu jurei amar .
A cada palavra, cada gesto, cada ação, cada toque desse amor, meu ódio e rancor cresciam. Crescia meu orgulho e minha vontade de ser liberta, de ser guerreira.
Dentro de nosso vilarejo, bem ao centro, existia uma pequena capela em que rezávamos e prestávamos nossos pedidos a Deus Pai como bem éramos ensinados pelo clero. Cada um de nós via naquele Deus, um ser severo, austero e de grande poder. Eu via nele um guerreiro de alma simples e livre. Almejada ser essa minha essência: de uma guerreira da liberdade, nem que para isso, eu fosse crucificada.
Um dia após ter sido severamente agredida me ajoelhei frente aquela capela durante uma fria e escura noite e clamei pela força daquele deus. Eu estava com uma longa e puída saia preta que cobria até meus pés e um véu que encobria meu rosto e minha lágrimas de amor.
Um vento forte estremeceu todas as casas e arvores de nosso vilarejo. Vento esse, que arrancou um dos anjos que ficava em uma coluna logo na entrada desse vilarejo. Ao cair, o anjo foi espedaçado pelo impacto e eu ouvi uma gargalhada que parecia sair de uma espécie de cova (nossos mortos eram enterrados próximos a essa capela).
Me dirigi até o local onde pensara ter ouvido as gargalhadas e lá encontrei uma velha senhora que estava nua, liberta com seu corpo e sua aceitação. Ela aceitava o amor que era. Bebia em uma espécie de cálice de ouro uma bebida viscosa que identifiquei como sendo vinho. Em sua mão esquerda, tinha uma espécie de faca pequena e bem pontuda cravejada em ouro e pedras.
A velha alcançou a taça me oferecendo um gole questionando:
“Eres uma guerreira? Eres tu uma escrava do amor? “
Eu consenti com a cabeça, incrédula com a cena que presenciava e se aproximando ela corta minha garganta com a faca que trazia em sua mão.
Acordo em frente a Capela do Vilarejo no outro, dia assustada com a experiência que tivera anteriormente.
Acordo uma nova mulher: não mais escrava mas senhora do Amor.
Acordara ciente de minhas responsabilidades e de minha força como mulher. Acordara decidida a mudar minha vida e lutar pelos meus ideais e minha ações.
Morrera naquela noite , assassinada por uma velha , que bebia vinho em uma cova aquela moça simples porém bela .
Nascera uma senhora forte, empoderada de força e beleza, para lutar pelo mesmo amor que fora vitimada. Jurei que serviria o resto de minha existência a despertar nas mulheres o mesmo que aquela velha senhora despertara em mim.
Minha vida foi marcada pelos caminhos do mundo. Me tornara uma andarilha que ia de vilarejo em vilarejo, pregando as mulheres que sofriam com seus maridos a libertação. Para isso, me infiltrava em meio a população e permanecia o tempo que julgasse necessário para conseguir atingir as mulheres que tinham o mesmo potencial. Aprendi a oferecer da mesma taça que me fora dada anteriormente.
Me tornara uma guerreira, aprendi a me defender daqueles mesmos homens que me atacavam anteriormente, assim, jurei que em momento algum, outro homem colocaria suas mãos em mim. Por anos, pregando meus ideais nos vilarejos, consegui que algumas mulheres me seguissem. Éramos conhecidas como as Damas da Noite pois sempre saíamos ou chegávamos nos vilarejos, cobertas pela lua. Andávamos sempre com saias e véus.
Em um vilarejo que adentramos próxima a antiga cidade de Roma, fomos acusadas de bruxaria, perseguidas, torturadas pelo clero e condenadas a fogueira da Inquisição. Condenadas a sermos queimadas por Deus.
Quando em praça pública estavam fincados os troncos que queimariam a mim e as Sete mulheres que me acompanhavam dispostos em um círculo, se encontrava bem ao centro, aquela mesmo velha senhora de meus sonhos. Tinha em suas mãos, o mesmo cálice que me servira anteriormente e na outra, uma cruz de ouro.
As pessoas ali reunidas pareciam não verem aquela senhora de figura estranha e enquanto estávamos amaradas e o fogo pronto a ser ateado aos nossos corpos, ela sussurra em cada um de nossos ouvidos, servindo o mesmo gole de seu vinho. Só não servira mais a mim, pois afirmara que quem já tivesse tomado de seu vinho, viveria eternamente:
“Não temam minhas pequenas, eu sou o caminho e a vida”  
Nossos corpos queimavam e ardiam em brasa viva. Dor não sentíamos e libertas da carne, dançávamos em meio as chamas.  Aquela velha senhora não parava de gargalhar e dançar faceira.
Hoje, venho nos terreiros de Umbanda como Maria Quitéria das Almas, servindo ao mesmo Deus que me queimou viva. Não aquele mesmo Deus, mas o Deus manifesto em sua forma feminina e que me dera uma nova vida de liberdade e amor.
Venho, com minhas sete companheiras. Viemos, gargalhando e trazendo a energia do fogo que destruiu nossos corpos e libertou nossa alma.

“Foi condenada pela Lei da Inquisição
A ser queimada viva, Sexta Feira da Paixão
O Padre rezava, o Povo acompanhava
Quanto mais o fogo ardia
Mais ela dava gargalhada “


Maria Quitéria das Almas
03 de Junho de 2016

Laroyê Exú! Saráva as Sete Linhas de Umbanda! Adorei aos Pretos Velhos!

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Laroyê Exú Mulher !

     O Feminismo tem sido amplamente debatido na atualidade e é assunto que as comadres há muito tempo já discutem.

“ Eu tenho um nome tão lindo 
mas eu só uso em tempo de Guerra
Se querem saber o meu nome
 Eu sou a Maria Quitéria
Maria tem muita por aí
Toma cuidado para não se confundir”

   Originalmente , as Pomba Giras surgiram em um contexto onde a mulher era discriminada, inferiorizada, vítima de abusos e violência doméstica. Uma série de porcarias humanas.Surgiam então, as falanges dos “Exús Mulher” ,em que o nome por si só já causa muita estranheza.
   Os Exús Mulher, remetendo ao nome, incorporavam em sí aspectos tidos como masculinos, tais quais, a coragem, a força, liderança,a garra.Surgiam Padilhas, Mulambos e Quitérias....Surgiam muitas das Marias que se tem por aí.
   Tradicionalmente, a falange da Maria Quitéria remete a um personagem histórico que lutou na Guerra da Independência sendo considerada a primeira mulher a entrar para as forças armadas Brasileira.
  Esse era o aspecto que os Exús buscavam desmistificar e neutralizar na essência humana. O movimento feminista surgia não somente no plano físico mas como uma reação ao movimento astral já iniciado.
  Surgia o aspecto forte da mulher, destemida, guerreira, debochada e principalmente descaracterizada de todo e qualquer pudor. Assuntos considerados masculinos, intocados pelas mulheres, eram tratados da mesma forma pela comadres.

“Arreda homem que ai vem mulher
Ela é a Pomba Gira , Esposa de Lúcifer
Tranca Ruas vem na frente 
Pra dizer como ela é “

   Surgia o medo, o temor das Donas. Elas avisam aos homens que se afastassem pois estavam chegando. Elas pediam licença pois estavam chegando para conquistar seu espaço , muito similar com o que vem acontecendo hoje, não?
   Ser humano é mutável , não?  Mutável sim, não resiliente. Uma vez que os homens, alguns por fraqueza, buscando se ajustar ao feminismo, pronunciavam discursos de falsos  dizendo: “ tenho mais medo da minha mulher que do diabo; minha mulher que manda em mim” . Mera inversão de papéis. Quando aprenderá o ser humano a buscar a unidade e o respeito? Respeitem e principalmente, aceitem a sombra. 
  Exú Mulher ou Pomba Gira, me chamem do que quiser. Prestem seus respeitos.
  A nós não nos interessa aspectos masculinos ou femininos.

“ Exú que tem Duas Cabeças
Olha sua Gira com fé “

  Exú representa primeiro os dois aspectos da vitalidade: o masculino e o feminino. A nós, não nos interessa, ser homem ou ser mulher. Somos o que precisamos ser.
  Enraizados em vocês está a necessidade por um ou outro aspecto: “meu Exú é mulherengo, forte,temido; minha gira é sensual, sedutora”. Como se um fosse somente aspectos masculinos e outros aspectos femininos.
  É hora de desmistificar Exú e a consciência humana. É hora de trabalhar em rumo a caridade e esquecer que na gargalhada está a pior maldade humana.

                                                                                                                                           Maria Quitéria
05 de Maio de 2016

Matheus Capra Ecker
Laroyê Exú! Adorei as Almas ! Saravá as sete linhas de Umbanda !  

quarta-feira, 16 de março de 2016

Encontro em alto mar


  Era madrugada, beira-mar, noite nublada e sobre a bruma do mar se estendia uma leve neblina. Tambores ecoavam pela noite escura e eu ouvia o canto de minha mãe Iemanjá. Me coloquei de joelhos a chorar em convulsivo pranto, clamava pelo colo de minha mãe.
 A cabocla se mostrou a mim como uma grande guerreira. Do mar, saia ao meu encontro em um misto de dança e movimentos que me lembravam ser de uma batalha. Aos poucos, ela ia se aproximando, seu canto, sua dança, seu lutar, me encantavam. De um momento a outro, estava eu dentro de um navio, cercado por marinheiros e a minha frente mãe Iemanjá.



  A cabocla abriu seus braços, sorriu o mais sincero dos sorrisos, resplandecendo com ele toda a felicidade e ternura. Me acalentou nos seus braços perguntando se eu aceitaria realizar uma viagem. Olhei para meu Marinheiro, buscando um consentimento seu e também aquele conforto. Seu Zé dos Mares, deu um sorriso de modo leve, descomplicado que tem o povo do Mar e com um aceno de cabeça, consentira que eu seguisse naquele barco.
  Continuamos mar adentro, naquela mesma noite escura, encobertos pela neblina e eu via somente minha mãe a me falar. Agora, era sim a Guerreira de quem eu ouvira histórias, não era mais a mãe terna e calorosa que me abraçara há pouco.
 Como que sabedor do que viria em seguida, as ondas do mar se agitaram, uma leve tempestade começou e conforme minha mãe ( ou a Guerreira) me falava , mais e mais as ondas se agitavam. Cresciam mais altas que nosso barco para então, virem de encontro ao casco do navio. No céu, trovões faziam estrondos horrendos. O olhar de minha mãe era compenetrado, sério. Já os marinheiros, riam despreocupados, sabedores que era uma tempestade passageira e, principalmente, que o Mar não os faria mal, afinal, estavam acompanhados de uma Guerreira de Mãe Iemanjá.
  Então, a Cabocla fita meu olhos e inicia uma conversa em meio àquela tempestade. Eu me encolhia de medo a seus pés, sua voz era suave e macia como a bruma das ondas , mas a sua seriedade, me lembrava que estávamos em meio a tempestade. Minha mãe disse somente: "filho, acalma teu coração, acalenta teu pranto, não temas e confia em tua mãe. Tranquiliza teu sentir, eleva sua fé..."
  Respirando mais profundamente, passei a me acalmar e enquanto tranquilizava meu espírito, o mar, sentindo a calma, o amor e a paz que brotavam de meu coração, passou a fazer o mesmo.
 As ondas se acalmaram. O vento passou a soprar mais lentamente. Os trovões sessaram. As nuvens se dissiparam. A lua cheia surgiu no céu.
 Dei-me por conta do que acontecera: estava envolto nos braços dessa Cabocla agora, sobrevoando sobre o mar em direção à praia. A mãe me repousou na areia macia da praia e ao abrir os olhos, acordei naquela mesma praia que me encontrara no início. Me dera conta que eu havia adormecido e sonhado com minha Mãe Iemanjá.
 O sonho me perturbara, eu estava inquieto, mas era dia de sessão no meu terreiro. Quando ao iniciar a gira, um Nego Velho me chama para uma conversa a pé de ouvido:

-“ Mi zi fio, senta no toco e vamo prozea”.

Sabedor do que me incomodava, o Preto Velho passou a me contar:

-“Nego, lembra-se do sonho que o fio teve?”.

-“Lembro, meu velho” – falei eu baixando os olhos, preocupado com o que acontecera na noite anterior.

- “Zi fio sabe que aquela era sua Mãe Iemanjá? Zi fio sabe que aquela era uma das guerreiras de tua mãe? Foi nego que mandou ela te encontrar. Foi nego que pediu a cabocla pra ir lhe falar”.

-“Eu sei meu pai, mas o que ela quis me dizer com aquela tempestade? Eu devo me preocupar, tem algo de ruim a acontecer? Foi um aviso. Não foi, meu velho? Eu estou em perigo, não estou?

Que risada marota tinha aquele preto. Em meio a minha aflição, o nego ria tranquilamente e continuo com a prosa :

-“ Mi zi fio se preocupa a toa. Aquilo não era pra lhe dizer que está em perigo, nego. Zi fio lembra do ponto que tocava? “ Eu pedi um abraço ela me deu ,eu pedi amor e ela não negou?”

Embalado pelo canto do nego, a preocupação se esvaíra e a conversa ganhava um novo tom:

- “A nega foi lhe encontrar em sonho pra te lembrar das aflições do teu dia a dia. Dos momentos difíceis, de tristeza, angustia, de raiva, de magoa, que o nego tem e deixam seu coração cercado por uma tempestade. Ao seu redor, tudo são trovões e ondas a sacudirem seu barco. O medo toma conta do filho, mas perceba que lá na ponta do teu barco está tua mãe. Representada como uma linda e jovem Guerreira, não somente dando direção a tua vida em meio à tempestade, mas pronta, para que quando precisares, se ajoelhe em frente a seus pés, rogando a sua proteção e, principalmente, lhe abraçando até que acalme a tempestade.

Com lágrimas nos olhos, o preto continuava:

- “Mi zio fio percebe, que em cada passo, que em cada mar navegado pelo nego ela está lá? Esperando para te abraçar, te confortar ou simplesmente lhe saudar por suas glórias durante a viagem. Mi zi fio acha que está abandonado, mas esquece dessa linda cabocla, esquece-se dos Marinheiros que acompanhavam teu barco, trazendo a leveza e o equilíbrio do mar”.

Batendo em minhas pernas, encerrando a conversa, o preto me diz por fim:

-“ Fio, não esquece que na vida tudo é passageiro, tudo é onda do mar. Que tua mãe, está no mar, está na areia e tá no coração do nego."




Adorei as Almas ! Saravá as Sete Linhas! Laroyê Exú!

16 de março de 2016
Por um Preto Velho Amigo


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A Pemba e a Brasa

   Em uma das últimas consultas, o Preto usou a história da "Pemba e da Brasa" para uma consulente, eu vou tentar reproduzir em forma de um diálogo. Vamos ver como fica:

  Era mais um dia de sessão, no tambor, ecoavam o ponto da linha das almas dos Negros Velhos...Cipriano fumava calmamente seu cachimbo sentado no toco em um canto do terreiro. Uma consulente se aproxima,senta na frente do nego e aproximando-se do preto diz:
-Pai, me ajude, estão com olho gordo pra cima de mim...
   O nego, toma um gole do seu café, traga mais uma vez seu cachimbo, olho nos olhos da nega e diz:
-Desculpa filha, não entendi, o que a senhora tem?
-Olho gordo paizinho, estão colocando olho gordo em mim. Eu estou grávida sabe? Então minha família, a família do meu namorado, a ex dele, sabe a Ex dele? Ela tem muita inveja de mim, ela coloca muita coisa em mim , diz ela muito preocupada.
Entre um gole e outro de café, pergunta: 
-E como tu sabes isso filha? Como tu sente isso?
-Porque eu sinto Pai, e isso tá me fazendo muito mal e eu não quero mal pro meu bebê que está por vir...
   Cipriano, olha pro seu cachimbo, pra Pemba que está deitada ao chão, pra fumaça que sobe ao ar e se desfaz, pensa em como é relaxante aquele fumo, como lembra a ele dos dias da casa grande e pede pra nega, que estenda suas duas mãos espalmadas, abertas a sua frente. Ele, suavemente entrega a pemba na mão dela e pede que a segure. Fumando seu cachimbo, mostra pra nega a brasa que encontra-se dentro, a brasa que arde viva em fogo e energia. Pergunta a ela, se ele poderia fazer o mesmo com o cachimbo, se ele poderia descansar o cachimbo na mão da nega. Ela sem entender aonde o Preto queria chegar, diz que sim. Logo, a nega estava em sua mão direta com uma Pemba e em outra o cachimbo do Nego.
-Pai, como isso vai me ajudar com meu problema? - pergunta ela preocupada.
-Simples minha filha, eu lhe entreguei uma pemba e meu cachimbo, mas quero que tu lembres da brasa que arde dentro dele, e não do cachimbo em sí. Qual das tuas coisas tu acredita que representa a inveja? A pemba, que está na sua mão direita, ou o Brasa que queima dentro do Cachimbo na sua mão esquerda?
-A brasa Pai, pois ela pode me machucar e me ferir se eu tocar nela. Dentro do teu cachimbo, eu sei que ela não me faz mal, mas se eu a segurasse diretamente em mão, certamente estaria com algumas queimaduras.
-Muito bem filha, eu concordo com a senhora, mas as duas coisas que te entreguei são o "olho gordo", a inveja como a senhora diz. A brasa, representa a inveja, pois ela realmente pode te ferir e te prejudicar caso tu não esteja protegida pelo cachimbo, por um envoltório, um escudo, certo? Tu sabe nega, que mesmo sendo “perigosa” a brasa é necessária para que o fumo queime e libere o tabaco, ou seja, eu preciso dela, assim como a senhora para sua evolução – pegando da mão da nega o cachimbo, ele faz nova experiência e, agora, colocando o dedo na abertura do cachimbo, toca no carvão que havia a brasa deixado e deposita um pouco do mesmo na mão da nega. Retira a pemba e  esfarela um pouco do pó branco sobre a outra mão – olhando nos olhos da nega diz – para deus, ele crê, que a pemba é a inveja e não a brasa, sabes porque minha filha? Assopre suas mãos e me diga qual delas está suja.
  A filha assopra suas duas mãos, olha para a mão esquerda (aquela que havia carvão) e diz:
-A minha mão esquerda está suja, veja como ela está preta e tem cheiro ruim de tabaco.
-Não filha, esfregue as tuas mãos no teu rosto, percebe como a mão que havia o pó de pemba, embora a senhora não veja, há alguns resquícios desse pó. Embora, na tua mão esquerda o carvão seja visível, as duas estão sujas, assim, é a inveja, deixa esses resquícios em vocês. Mas filha, eu preciso da brasa, que resulta em carvão (depois de servir ao propósito que é fumar), assim, como eu preciso da Pemba para riscar ponto. Eu, assim como a senhora, não consigo perceber o olho gordo, como pemba. Eu a percebo como brasa, pois sei que me fere, que me prejudica mesmo sendo essencial para meu crescimento. Um dia filha, eu e a senhora, perceberemos a inveja como Pemba, sem que seu resquícios sejam percebidos e agradeceremos sua utilidade. Até esse dia, a percebemos como brasa, essencial para nossa caminhada nessa terra de Deus. Nas preces dos negos, as envolvemos em um cachimbo, permitindo que a toquemos protegido pela madeira desse ou pela nossa fé.
-Eu entendo, diz a nega um pouco mais calma , eu devo pedir ao mestre que me proteja e ensine a aceitar a brasa , que vira carvão e dá o prazer do fumo. O que eu faço com a sujeira porém?
  Pegando novamente as duas mãos da nega e um pouco de água, lava calmamente as  mãos e, após, passa um pouco de álcool cruzado (uma mistura de álcool, ervas e essências) que deixaram um suave aroma de lavanda e erva cidreira nas mãos da filha. Olha para a barriga da filha, que grávida de pouco tempo, ainda não aparentava aumento e pergunta:
-Nega, porque as mães acariciam a barriga quando estão grávidas? Porque passam suavemente as mãos ?
-Pelo primeiro contato com o bebê, diz ela.
-Certo, para sentir seu filho. Assim como uma mãe acaricia seu filho, acaricie seu corpo quando fores tomar banho, quando tiveres um perfume que te agrade, um aroma de rosas, de flores -e com um sorriso no rosto, completa dizendo - Assim, como a Mãe Iemanjá, que através de suas águas, acaricia a seus filhos, tranquiliza seus corpos, seus espíritos , toda a inveja, toda a sujeira do olho gordo se vai, e no lugar destas, ficam os aromes de flores que, amorosamente, são entregues por essa mãe. Assim são as mães, não filha? Sempre querem para seus filhos perfumes e flores...
  A moça, com lágrimas nos olhos, agradece ao preto pelas sábias palavras, abraça-o fortemente no que é retribuída nesse abraço gostoso de preto velho. O preto por fim, entrega para a filha, o que sobrou da pemba que ele esfarelará  anteriormente e diz :
-Filha, para que tu te lembres, que aos olhos de Deus, a inveja é Pemba, é pó que se desfaz ao vento e em água , mesmo que para nós, continue ardendo em brasa nos nossos corações... Agô nega!   

Saravá as Sete Linhas! Adorei as Almas! Laroyê Exú ! 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

“Eu tenho medo vovô, eu tenho medo, da fumaça do cachimbo descobrir o meu segredo”.



Esse texto, foi o primeiro  que eu fiz sobre uma experiência mediúnica. Foi ainda no início que eu começava a trabalhar com o Cipriano e ele havia pedido o seu cachimbo (depois de muito relutar meu, pois eu tinha "um acordo" de não fumar). Por solicitação dele, eu também fazia bolo de milho ( que na época era a única coisa que ele comia - acredito que para  fazer com que eu realmente fizesse os bolos). Enfim, eu nunca adquiri muita habilidades na cozinha e o preparado sempre dava errado. Segue o texto:
Tudo começa com o processo de fazer um bolo: separar a clara da gema, bater as claras em neve, misturar a farinha, o açúcar, o fermento, levar ao forno e esperar que dê certo. Quando não a surpresa: o bolo não cresceu!
Quando trouxe o bolo para o terreiro, foram essas as palavras de um dirigente: 
'O segredo é fazer com amor'.
A história segue o desenrolar com um cachimbo: branco, curvo e com a ponteira vermelha, inexperiência e orgulho do médium.
Após a gira começar e sentir a vibração do Preto, estar acomodado em um canto do terreiro, o ponto já estar riscado na tábua com a pemba branca, servir o seu café e cumprimentar os médiuns e entidades, era a hora de testar o novo instrumento de trabalho. Mas como fumar um cachimbo se eu nunca havia fumado? Em um momento, todos os olhos se voltam para o médium, o nervosismo atrapalha a vibração, as mãos começam a tremer e a suar, a fumaça do cachimbo não sobe com facilidade. Há algo errado.
A matéria assume o espiritual e na ânsia de mostrar firmeza, o orgulho toma conta. 
Sim, pois ali já não era mais o preto que fumava, mas o médium que tentava imitar o que via os outros pretos fazerem ou seguir o manual que leu antes da gira de como fumar um cachimbo.
Segue novamente a história, são atendidos todos os consulentes e o espiritual decide inverter a história. Como se pegasse pela mão, o Preto decide ensinar seu modo de fumar e assim, longe de tantos olhares, sem a expectativa inicial e com um pouco mais de humildade a fumaça passa a subir. O preto demonstra que para não apagar o cachimbo, é necessário socar o fumo no fornilho mas, diferente dos outros médiuns, ele prefere usar o dedo. Depois é hora de ascender o cachimbo, com um isqueiro normal, aproximando o fogo do fumo e dando pequenas tragadas para que o calor se propague e o fumo queime uniformemente. Às vezes o cachimbo apaga, em outras, a fumaça que sai é pouca, às vezes nem é notada. Depois de fumado, basta limpar o cachimbo com aquelas ponteiras adequadas e está tudo terminado. Resta somente o preto do carvão nas mãos do médium e a sujeira nas calças.
Foi com a intenção do amor que foi levado o cachimbo e através daquela fumaça cheirosa se aprendeu uma lição: no momento da escolha do cachimbo e depois do fumo (um fumo de café, que o Preto gosta) sobre o amor. Se há na intenção o amor e o carinho, como podem médiuns proferir palavras que prejudicam ou machucam consulentes? 
Se há na intenção o amor, como é possível os médiuns irem com a mentalidade de primeiro serem ajudados para depois ajudar? Não sabem eles que através do amor (aqui na forma de caridade) recebe a mais benéfica ajuda como um sorriso de agradecimento e seus problemas somem ou ainda, sua energia se equilibra. 
Não através da mistificação de suas entidades, mas através do amor puro e simples. Como aquela historia da moça que ao chegar no terreiro deixou seus problemas em baixo da imagem de Ogum e após se doar mediunicamente, esqueceu até que os tinha colocado ali. Cofiante de que Ogum estivesse cuidando deles para ela.
Montando o cachimbo, aprendi que esses seres de luz, tem seu próprio modo assim como nós temos nossos gostos, escolhas e dificuldades. Que às vezes, muita pressão atrapalha assim como pouca pressão não fará com que o cachimbo permaneça aceso e se ele apagar é melhor acender várias vezes do que insistir em dar várias tragadas fortes, pois o calor poderá fazer com que o gosto do fumo se perca, ou seja, melhor insistirmos uma, duas, três vezes quantas forem necessárias e aproveitar esse momento do que simplesmente desistir. Tentamos de forma diferente.
Fumando, aprendi sobre as minhas expectativas e meu orgulho. Que muitas vezes, queremos que tudo dê certo, esperamos o reconhecimento sem o trabalho árduo e outras, queremos que a fumaça seja forte e branca para os olhos dos outros, quando na realidade o efeito não está na aparência, mas no prazer de fumar em si. Aprendi que é necessário um pouco de humildade e que a vaidade é só aquele carvão preto.
Limpando o cachimbo, aprendi que o preto do carvão não é sujeira. É parte do cachimbo e da experiência do fumar, como se nosso lado escuro fosse presente e inevitável, parte da nossa jornada e que deveríamos limpar e jogar fora para começar uma nova experiência muito melhor. Que o carvão que resta no cachimbo é importante para a maturação do gosto, como se as dificuldades que passamos não fossem esquecidas, mas melhorassem nosso ser. As manchas pretas nas calças e nas mãos são marcas também inevitáveis desse processo de evolução, aprendizado e, sobretudo prazerosa experiência.
E como no ponto, meu segredo foi descoberto pela fumaça do cachimbo do Cipriano:




“ Eu tenho medo vovô, eu tenho medo, da fumaça do cachimbo descobrir o meu segredo”.

Saravá as Sete Linhas! Adorei as Almas! Agô meu Velho Cipriano! Laroyê Exú!

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Prece Ogum das Matas

Hoje escolhi a prece que um dos guias espirituais que trabalha comigo me intuiu logo que comecei a trabalhar na Umbanda. A oração, é para Ogum das Matas, que apesar de não ser o caboclo que eu trabalho, me acompanha por muitas vidas e é bastante querido por mim: 

Ogum das Matas, fiel guerreiro de Zambi, que com a permissão do Pai Maior, tua lança e tua espada sirvam de arma contra o mal do meu inimigo. Que tuas flechas sejam certeiras na direção da luz e que teu cavalo me conduza sob a proteção dos filhos de Jesus. Que teu assobio ressone pelos caminho afora avisando que cavaleiro das matas aqui chegou. Que teu nome seja a proteção dos que rogam por tua ajuda.
            Ogum das Matas, meu amigo, sejais meu guia e meu companheiro. Que tua presença  me lembre que nunca estou só. Que tua força me apare nos desafios da vida e que nenhuma alma fique perdida na escura floresta.

Salve a Falange do seu Ogum das Matas, Salve todo o povo das Matas.
Que assim seja! Saravá ! 

Saravá as Sete Linhas de Umbanda! Agô meu Velho Cipriano! Laroyê Exú!

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