Era madrugada, beira-mar, noite nublada e sobre a bruma do mar se estendia uma leve neblina. Tambores ecoavam pela noite escura e eu ouvia o canto de minha mãe Iemanjá. Me coloquei de joelhos a chorar em convulsivo pranto, clamava pelo colo de minha mãe.
A cabocla se mostrou a mim como uma grande guerreira. Do mar, saia ao meu encontro em um misto de dança e movimentos que me lembravam ser de uma batalha. Aos poucos, ela ia se aproximando, seu canto, sua dança, seu lutar, me encantavam. De um momento a outro, estava eu dentro de um navio, cercado por marinheiros e a minha frente mãe Iemanjá.

A cabocla abriu seus braços, sorriu o mais sincero dos sorrisos, resplandecendo com ele toda a felicidade e ternura. Me acalentou nos seus braços perguntando se eu aceitaria realizar uma viagem. Olhei para meu Marinheiro, buscando um consentimento seu e também aquele conforto. Seu Zé dos Mares, deu um sorriso de modo leve, descomplicado que tem o povo do Mar e com um aceno de cabeça, consentira que eu seguisse naquele barco.
Continuamos mar adentro, naquela mesma noite escura, encobertos pela neblina e eu via somente minha mãe a me falar. Agora, era sim a Guerreira de quem eu ouvira histórias, não era mais a mãe terna e calorosa que me abraçara há pouco.

Respirando mais profundamente, passei a me acalmar e enquanto tranquilizava meu espírito, o mar, sentindo a calma, o amor e a paz que brotavam de meu coração, passou a fazer o mesmo.
As ondas se acalmaram. O vento passou a soprar mais lentamente. Os trovões sessaram. As nuvens se dissiparam. A lua cheia surgiu no céu.
Dei-me por conta do que acontecera: estava envolto nos braços dessa Cabocla agora, sobrevoando sobre o mar em direção à praia. A mãe me repousou na areia macia da praia e ao abrir os olhos, acordei naquela mesma praia que me encontrara no início. Me dera conta que eu havia adormecido e sonhado com minha Mãe Iemanjá.
O sonho me perturbara, eu estava inquieto, mas era dia de sessão no meu terreiro. Quando ao iniciar a gira, um Nego Velho me chama para uma conversa a pé de ouvido:
-“ Mi zi fio, senta no toco e vamo prozea”.
Sabedor do que me incomodava, o Preto Velho passou a me contar:
-“Nego, lembra-se do sonho que o fio teve?”.
-“Lembro, meu velho” – falei eu baixando os olhos, preocupado com o que acontecera na noite anterior.
- “Zi fio sabe que aquela era sua Mãe Iemanjá? Zi fio sabe que aquela era uma das guerreiras de tua mãe? Foi nego que mandou ela te encontrar. Foi nego que pediu a cabocla pra ir lhe falar”.
-“Eu sei meu pai, mas o que ela quis me dizer com aquela tempestade? Eu devo me preocupar, tem algo de ruim a acontecer? Foi um aviso. Não foi, meu velho? Eu estou em perigo, não estou?
Que risada marota tinha aquele preto. Em meio a minha aflição, o nego ria tranquilamente e continuo com a prosa :
-“ Mi zi fio se preocupa a toa. Aquilo não era pra lhe dizer que está em perigo, nego. Zi fio lembra do ponto que tocava? “ Eu pedi um abraço ela me deu ,eu pedi amor e ela não negou?”
Embalado pelo canto do nego, a preocupação se esvaíra e a conversa ganhava um novo tom:

Com lágrimas nos olhos, o preto continuava:
- “Mi zio fio percebe, que em cada passo, que em cada mar navegado pelo nego ela está lá? Esperando para te abraçar, te confortar ou simplesmente lhe saudar por suas glórias durante a viagem. Mi zi fio acha que está abandonado, mas esquece dessa linda cabocla, esquece-se dos Marinheiros que acompanhavam teu barco, trazendo a leveza e o equilíbrio do mar”.
Batendo em minhas pernas, encerrando a conversa, o preto me diz por fim:
-“ Fio, não esquece que na vida tudo é passageiro, tudo é onda do mar. Que tua mãe, está no mar, está na areia e tá no coração do nego."
Adorei as Almas ! Saravá as Sete Linhas! Laroyê Exú!
16 de março de 2016
Por um Preto Velho Amigo
Odoyá! Salve todo o Povo do Mar e sua Rainha, Mãe Iemanjá!
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