Hoje, escolhi o texto que originou a esse blog e foi a primeira "psicografia" que me veio através desse guia tão querido que é o Pai Cipriano. A história, é muito especial pra mim, não somente pela data em que foi escrita , mas por realmente ter sido um presente desses negos tão queridos. Conta, um pouco de quem fomos em outras vidas (inclusive, a respeito de uma antiga encarnação minha em que fui feitor de escravos e de uma verdadeira irmã que hoje compartilhamos essa encarnação). Segue a história que foi compartilhada anteriormente na CPJC( Casa Pai Joaquim de Cambinda) na integra como ela foi me passada:
No dia de hoje, a Umbanda celebra os Pretos Velhos. Falange do amor, da
sabedoria, da humildade, da paz de espírito, do sofrimento e das lutas. Do
falar chiado e simples, das metáforas e das complexidades das leis espirituais
e físicas .
Dia de Agradecer aqueles que são nossos Pais ou simplesmente os
"negos" companheiros. O cheiro da fumaça do cachimbo, do café e o do
palheiro. Dia de relembrar a dor e a alegria desses senhores mandingueiros.
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Pai Cipriano e Nego Benedito ( médiuns Matheus e Eliane) |
Dia que dá vontade de um abraço do Pai Cipriano ou do Nego Benedito,
história que se cruzam, caminhos que se reencontram, o significado de uma
amizade e o amor de dois médiuns. Dia de histórias desconhecidas e saudades da
terra distante.
Um dos meus companheiros
espirituais, um guia como são chamados na Umbanda ou para mim um amigo, atende
pelo nome de Pai Cipriano. Outro companheiro é chamado pelo nome de Nego
Benedito, também um guia na Umbanda e para mim um Padrinho.
Eu, Matheus e uma amiga, Eliane,
quem sabe uma mãe, uma madrinha. Quatro espíritos, duas almas (se
considerarmos pelo Kardecismo que alma é o espírito quando encarnado) uma única
história:
Dois escravos, portanto estamos
antes do dia 13 de maio de 1888. O primeiro, cujo nome antigo desconheço mas
que agora atende por Cipriano, trabalha na casa grande. Escravo de sorte,
apesar de todo sofrimento e dor de ter sido arrastado da mãe África em um
fétido, sujo e escuro porão de navio, agora, tem alguns privilégios que
outros escravos de mesma sorte não o tem. Um desses outros escravos é o Nego
Benedito, escravo rebelde, daqueles que davam dor de cabeça aos senhores e
diversão aos feitores. Dois amigos....
Cipriano, bem tratado, com
comida sempre disponível da casa grande, com algo mais parecido com uma cama do
que o chão de terra da senzala e, além disso, muito invejado. Caluniado por
fofoqueiro entre os escravos que não tinham comida farta, pelos escravos que
dormiam em um chão frio, de terra batida na antiga Bahia. Fosse assim bem
tratado, algo que agradasse aos senhores esse escravo deveria fazer. Independentemente
do que fosse, não era bem visto pelos seus irmãos pretos que tanta vezes
recebiam comida escondida desse mesmo escravo. Nego sábio e astuto, sabia que
não poderia perder seus benefícios (nem queria) portanto contava com a ajuda de
um dos rebeldes: O nego Benedito.
Era simples o plano: Cipriano
tinha acesso as chaves da despensa da casa grande. Uma sala grande, não muito
iluminada, logo atrás da cozinha com um tesouro para aqueles que passavam fome.
Repleta de prateleiras cobertas com carne misturada em uma espécie de farinha,
sal e outros condimentos que permitiam que a carne durasse mais; além disso, o
que ali dava em abundância na terra como mandioca, feijão, batatas, um tesouro
que os senhores não mensuravam e nem notavam sua falta. Assim, em um pequeno
balaio, Cipriano colocava um pouco de tudo e entregava ao nego rebelde que
distribuía na senzala.
Um velho nego, com um único
amigo. Invejado pelos outros, detestado por seus privilégios mas no fundo, um
ser de bom coração. Coração esse, que ao
ver seu único amigo e companheiro ir ao tronco mais uma vez, entristeceu pela
certeza da morte. Se os senhores não eram capazes de levantar o chicote, eles
encontravam nos feitores, seres que se deleitavam com o sofrimento do povo
negro que sangrava da mesma forma. Essa satisfação por ver ouvir os gritos de
dor dos negros era combustível para maldade que as vezes não via limite.
Em belo dia, ensolarado e como
sempre fazendo o pequeno plano de roubar comida da casa grande para a senzala,
o Nego Benedito foi pego. Qual não a surpresa dos senhores e a alegria dos
feitores em contraponto com a tristeza e o medo de Cipriano. Sabendo do cruel
destino que o esperava e das chibatadas que amarrado no troco levaria, Benedito,
nega-se a entregar Cipriano para os senhores, que com certeza também iria para
o tronco, pela primeira vez em sua vida. No tronco, enquanto recebia os açoites de um feitor,
ali se estabeleceu um linha bem simples, uma linha pequena que ligava para sempre
o destino de quatro almas: a linha da Lei.
Aquele escravo, enquanto seu
sangue quente escorria pelas feridas abertas, não era menos quente suas preces
aos antigos senhores (o que chamamos de Orixás). Em meio ao pranto e a dor,
ciente que sua hora era chegada e em serena prece, pediu para que sua mãe Oxum
o acolhesse em seus braços e acalmasse seu pranto. Sua surpresa, quando em
espírito viu que Cipriano acolheu em seu colo seu corpo já falecido , tirando
das correntes que o amarravam e com o mesmo intuito orava aos senhores Orixás.
Oxum, percebendo a dor e o sofrimento em tantos corações, intercedeu junto a
Olorum pedindo uma nova chance para os intérpretes daquele história. Benedito,
não só foi amparado nos braços da Mãe Oxum como pedira, mas em seu rosto fez
sentir as lágrimas que dos olhos dela caiam. Não eram lágrimas de dor, mas a
mais pura lágrima de amor, que só a senhora das águas doces poderia verter, e assim,
unia aqueles almas para a eternidade.
Cipriano, com o avançar do
tempo, e já com 50 anos, sentindo a enorme tristeza da perda de seu único amigo
e o cansaço da idade, numa tarde quente desencarnou em meio a um campo sem que
nenhum dos senhores e nem mesmo seus irmãos escravos notassem sua falta. Acorda no plano espiritual desiludido: esperava encontrar os seus orixás que cultuava
em segredo nos terreiros de chão de batido, quem sabe algum familiar, ou até
mesmo um daqueles anjos que diziam os senhores existir. Encontrou porém, um
homem de capa preta, chapéu e cartola, uma bengala na mão e um charuto na boca.
Aquele estranho senhor, que nada assemelhava-se a um anjo, com uma gargalhada
disse:
-“É chegada a hora de
se estabelecer e quitar seus débitos com a lei Maior. Se em vida, não tiveste
sofrimento, não sofreste a dor da carne nem a fome, a cede e o trabalho
incansável... Tens a oportunidade de trabalhar em nome do mestre maior, conhecendo o que há de mais escuro no ser humano. Porém, sentiras a dor como se
em carne fosse.”
Pensando ser seu único caminho,
Cipriano aceita o convite daquele senhor de Capa Preta e passa a trabalhar como
um guardião no astral. Indo até as trevas que os humanos criam através de seus
pensamentos e ações.
Em um desses locais, encontra um
dos seus antigos desafetos: um dos feitores responsáveis por matar seu amigo
Benedito ainda quando encarnado. Por determinação do alto, e sabendo que a lei
deveria ser cumprida, Cipriano decide interceder por aquele espírito esquecido
nas dores e aflições de sua alma. Em sincera prece, pede para que nova chance
seja depositada aquele espirito.
Lá do alto, um Nego todo de Branco, a tudo assistia com dor no coração
e novamente são ligadas a vida desses espíritos através da prece. São
convocados os senhores cármicos responsáveis pelas encarnações e então um novo
plano é traçado. A Lei da Umbanda se faz cumprir.
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Ilustração Exú Capra Preta |
Ficaria determinado, que Cipriano (agora um Capa Preta) receberia novo
convite de trabalho ao lado de seu amigo Benedito e assim se fez: Benedito,
desce até aqueles campos trevosos, encontra seu amigo e pede para que juntos
sigam uma nova caminhada e um novo trabalho; serviriam a Umbanda, como pretos
velhos, novamente lado a lado.
Quanto ao feitor, a ele foi dada a oportunidade de reencarnar e servir de instrumento para aqueles pretos,
também por justiça, ao senhor de escravos que ordenara o açoite do Benedito foi
concedida a mesma oportunidade de reencarne servindo a outro preto. Assim, o
feitor reencarna no corpo de um homem branco e o senhor de escravos no corpo de
uma mulher também branca. Os negros, continuam com sua cor escura como o carvão,
mas agora em espíritos que se ligam a esses encarnados como guias. Hoje, esses
espíritos e essas almas, se encontram em um terreiro. Onde, cumprindo a lei, um
serve de cavalo para Cipriano e o outro para Benedito. Os negos, podem fofocar
como faziam antigamente, podem servir ao bem e amparar aqueles que mesmo
causando tanta dor estão ligados pelo amor.
Pai Cipriano das
Almas
13 de maio de 2014
Matheus Capra Ecker
Agô meu velho! Adorei as Almas! Saravá !
Laroyê Exú!