quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Quando Exú brinca de viver !

       Uma das linhas de trabalho que eu maior tenho afinidade é a do Povo de Esquerda. Essa linha, sempre foi bastante próxima a mim, a mais apreciada e também, a que mais histórias engraçadas foram vividas. A isso, me lembra uma história de quando comecei a trabalhar com o Exú que hoje me acompanha:


Mensalmente, “visitávamos” uma encruza e lá fazíamos uma firmeza pra saudar Exú, pedindo que nos limpasse para os trabalhos no mês que começava e também nos desse sua proteção. Um grande cruzeiro, em que nos dispúnhamos em roda, todos vestidos de preto e vermelho, as mulheres, com longos vestidos e os homens geralmente com capa ou ternos impecáveis. No meio disso, uma senhora negra, de uns 50 anos, com um vestido todo vermelho com detalhes em dourado que imitavam chamas se destacava das outras, esse cavalo, recebia uma Pomba Gira do Fogo . Outro médium, com uma longa capa preta, garfo em mãos imitando aquele que a sua entidade se utilizava, era o responsável por dirigir aqueles trabalhos. Eu, no início da preparação mediúnica, somente vestido de preto, com uma calça um pouco mais apertada do que deveria, blusão de moletom todo preto (pra tentar evitar o frio que fazia em julho), não usava chapéu, nem sequer uma capa. Minha função ali: ser cambono das entidades que mais tarde se manifestariam. 

Inicia-se a “gira” pedindo a Proteção de Santo Antônio e do Povo da Rua. Em meio ao som do tambor, começam a chegar os compadres e comadres: gargalhadas ecoavam na encruza, as Pombas Giras começam a dançar com suas longas saias, o estourar das champanhes sendo abertas. Os compadres, também em meio a gargalhadas e muita festa são recebidos, sob suas capas, escondiam seus olhares e também todo seu mistério...
Em meio a isso, atônito a tudo que se passava ao meu redor, pois nunca havia visto aquilo e nem sentido tamanha energia, ouço que no tambor começa a ecoar um ponto do Marabô:

“Ventou no canavial,

Um trovão lá no céu ecoou

Salve Iansã e Xangô

Salve a Coroa do Exú de Marabô” 

Três comadres a girar em meu entorno: uma era a Pomba Gira do Fogo , as outras, eram duas das Marias: Maria Mulambo – toda vestida de preto, cabelo bagunçado, com a saia puxada até a altura da coxa, copo de champanhe na mão e olhar afetuoso; e a Maria Quitéria, também toda de preto, saia longa de cetim, chapéu todo gasto que  avisando que por muitas batalhas havia passado . Embora eu não visse seu olhar, sentia a firmeza e sua vitalidade, sua gargalhada, diferente da outra Maria, era séria, concentrada, como se dissesse que não existia trabalho que não pudesse ser desmanchado por ela. 

Começo a perder os sentidos, e quando dou em conta, vejo meu corpo de outra forma, não controlo mais minhas ações: estou em frente a firmeza que havíamos feito, em frente a garrafas e garrafas de champanhe, marafo, Whisky,e outras tantas bebidas, haviam também frutas, e sem me dar conta, minhas mãos como se fossem garras passam a saudar aquele povo. Minha garganta emitia sons estranhos pra mim até o momento, aquilo me causa medo e estranheza. Lembrava uma risada, um grito, parecendo debochar de tudo e todos. Ao mesmo tempo, percebo que estou dançando com as três comadres que estavam próxima a mim, sinto um misto de vida, de energia, de êxtase. Uma sensação de euforia e medo. Não sei se passaram-se segundos, minutos ou horas e, novamente, quando me dou por conta, estou frente aquela firmeza e repito o gesto que anteriormente havia feito, mas agora, havia um sentimento de despedida. 
Quando me volto de costas, vejo a Quitéria a sorrir pra mim, de braços abertos e cantando: 

“ Seu Marabô não vá simbora

sem você meu coração chora.

Não se despeça dessa encruza

pois não chegou sua hora “ 

Abraçados, os dois começam a girar e a dançar, agora, em outro estado de êxtase, sou como que deixado nos braços dessa mulher, sem nada entender. Volto a recuperar os sentidos sem verdadeiramente saber o que havia acontecido ali. 

Os sentimentos que ficaram em mim, era a pura vitalidade de Exú: era o ânimo em viver e lutar, em aproveitar a vida, em ser. Foi nesse dia que conheci o Cumpadre que me acompanha: “Seu Marabô das Encruzilhadas “.

Matheus Capra Ecker
Em parceria com Exú Marabô das Encruzilhadas
23 de Dezembro de 2015 




Saravá as Sete Linhas de Umbanda! Agô meu Velho Cipriano! Laroyê Exú!

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